23 Ago 2017 | Crónicas | Alexandre Honrado
Saímos aos nossos
Ou o que se aprende na história económica e social
Reconheço sem dificuldade a importância da História Económica e Social, área de ensino/ formação que se afirmou no âmbito da renovação historiográfica do século XX, mas também admito que me atraiu sempre com reservas.
A História Cultural, a História das Mentalidades, a História das Ideias, até a História do Quotidiano e da Vida Privada – em especial depois da ousadia do historiador Jacques Le Goff nos anos 70 do século passado que, todavia, parece hoje uma revisitação de ideias deixadas em aberto uns quarenta anos antes -, abafaram, como aqueles antigos artefactos de pano grosso que se punham sobre os bules para manter e prolongar a temperatura do chá, a minha vontade de me dedicar a números, estatísticas, relatórios de produção e lutas entre a força de trabalho e o capital.
A historiografia recente oferece-nos novas experiências sociais e interpenetrações entre as esferas do público e do privado, explorando, para tal, novas fontes e métodos para a sua análise.
Lendo isto, chego à conclusão óbvia, de que afinal o que sou é um bisbilhoteiro e olho através do buraco da fechadura do dia a dia para dentro da casa dos que produzem alguns acontecimentos que considero dignos de coletar.
Ao estudar o ano de 1917 – paixão que assumo nos últimos anos – dou comigo a ter de esbarrar em dados económicos e sobretudo a extrair deles uma linha que interpreta a mentalidade política nacional – de há cem anos a esta parte.
As crises internacionais sempre nos afetaram – uma, tremenda, ocorreu em 1890 – e os intérpretes nacionais dessas crises sempre tentaram ignorar as causas para construir dividendos políticos. Se a Europa estava a falir e nós com ela, os críticos apontavam o dedo retorcido a quem governava na altura – fosse quem fosse. Se a Europa, o Mundo, recuperava e nos beneficiava – logo quem governava assumia como sua a obra – e sorria e pedia aplausos.
A questão económica em 1917 era a herança pesadíssima do descalabro governativo da monarquia – e da conjuntura internacional. Para piorar as coisas, o País entrará, já na I República, na Grande Guerra e o triunfo de Afonso Costa – o quinto ministro das finanças da I República – que encerra as contas públicas em saldo positivo em 1913, cai ao chão com o conflito de 1914.
Os piores anos do défice foram os de 1917-1919, embora as receitas públicas tivessem subido.
Como se sabe, entrámos na guerra na frente europeia, apenas em 1917, mas com um contingente superior a 50 mil homens, enorme para um país pequenito. Por força da Guerra contraímos empréstimos – à Inglaterra, sobretudo – e a dívida, que nunca foi paga na totalidade (Salazar que “o diga”, mas não na boa história oficial que nos legou), ultrapassou, em 1925, os 22 milhões de libras! Mal puderam, os mais ricos portugueses protagonizaram desvios de contas e avultadíssimas fugas de capitais.
Hoje sabemos que não só a partir de 1910 grande número de famílias aristocráticas ou da alta burguesia emigraram por motivos políticos, continuando, mesmo assim, a receber as suas avultadas rendas habituais ou escolheram bancos estrangeiros para assegurar os seus depósitos (em especial, os bancos ingleses). Na província “entesourava-se”, o que significa, escondia-se prata e ouro, de que nunca saberemos o rasto.
Em meados da década de 1920, calculava-se em 70 milhões de libras esterlinas a soma total de depósitos acumulados por súbditos portugueses no estrangeiro. Sabe-se ainda que só em Espanha estariam mais de dois milhões de libras esterlinas – de portugueses – para contrabando de gado, trigo e sal.
Ao ler os jornais de hoje, penso que afinal só saímos aos nossos. Fico mais satisfeito, pois assim percebe-se porque escrevi isto (depois de ler também as coisas espantosas que outros apresentam como prova da “nossa” vida passada).
Alexandre Honrado
Historiador